ARTIGOS

O Reverendo Padre Silvano Maria Giraud, Missionário de Nossa Senhora da Salette

Padre Alberto Allamann, MS

Em 22 de agosto passado completaram-se 70 anos que o Padre Silvano Maria Giraud deixou este mundo, em fama de religioso de profunda espiritualidade e de vida santa. Profundamente penetrado do espírito de vítima, em união com Jesus-Hóstia e com Maria, Mãe das Dores, aplicou-se, com grande sucesso, durante toda a sua carreira sacerdotal, a propagar esta sublime doutrina nas prédicas, nas direções espirituais e nos escritos. Seu ensinamento tão edificante apoiava-se e fortalecia-se com os exemplos de uma conduta, não só irrepreensível, mas digna de admiração.

Depois da morte do venerado Padre, certo número de fatos extraordinários, já apreciados pela autoridade diocesana, multiplicaram seus admiradores convencidos de que sua intervenção não deixa de ser eficaz junto a Deus.

É por isso que julgamos de bom alvitre divulgar a sua memória para que provoque o recurso mais frequente a este nosso intercessor junto de Deus, para que assim também contribuamos para a sua glorificação mediante os milagres que dele obtivermos.

A 30 de setembro de 1830 nascia na aldeia de Éguilles, no sul da França, aquele que, no século passado, devia ser o guia espiritual de grande número de almas, o teólogo do espírito de vítima e da Mensagem Saletina, o Reverendíssimo Padre Silvano Maria Giraud.

Dispôs a Providência que Pedro Henrique Frederico Giraud, pai de Silvano, estivesse preparado para formar a alma do seu filho à piedade sólida, germe de vida sacerdotal santa.

Aspirara ele ao sacerdócio; fora seminarista; estudara Filosofia; e, depois, experimentara a vida religiosa dos Padres Oblatos da Maria, sendo acolhido em Marselha pelo próprio fundador daquela Congregação. Não sendo, porém, esta a vontade de Deus, como bênção do seu matrimônio almejou acima de tudo ter um filho sacerdote. Nada negligenciou para orientar neste sentido os seus dois filhos.

Criança ainda, frequentava a escola primária. Os momentos livres Silvano aproveitava para ir sozinho à igreja, rezar diante do Santíssimo Sacramento. Este fato despertou a atenção do Padre Vigário que pensou logo tratar-se de vocação especial e resolveu enviá-lo para o Seminário. Com efeito, desde o início do ano letivo de 1844, Silvano deixa o lar paterno para ingressar no Seminário de Aix, na Provença.

Seminarista modelar pela aplicação aos estudos, mas, sobretudo pela piedade e fiel observância dos regulamentos, fez rápidos e maravilhosos progressos. Deparamos apenas, neste período da vida de Silvano, uma séria luta pela bela virtude, ameaçada por um vislumbre de amizade particular e um sentimentalismo romântico exagerado, fruto imaturo de seus estudos literários.

Em 1848 passa para o Seminário Maior de Aix. Nesta casa de formação imediata para o sacerdócio, cuida antes de tudo de levar uma vida de total abnegação e humildade, perfeita obediência e sobretudo íntima união com Nosso Senhor. Custe o que custar, só quer se tornar um santo. A miúde repete sua oração predileta: “Como vossos Santos, ó meu Deus, como vossos Santos!”. E, desde então, fica sua alma imbuída daquilo que lhe caracterizará toda a vida: o Espírito de Vítima.

A 6 de junho de 1852 recebe o Subdiaconato. Consciente das tremendas responsabilidades assumidas, escreve em suas notas íntimas: “Eis-me Subdiácono, isto é, eternamente consagrado à glória e serviço de Deus, pois renunciei absolutamente ao mundo, a meus parentes, a mim mesmo; só pertenço à Santíssima Trindade. Quem não mais se pertence, faz a vontade de seu Senhor e de nada se queixa, porque nenhum direito tem. Aniquilamento sem limites, zelo puríssimo e constante pela maior glória de Deus entre os homens, religiosa aplicação ao exercício de minhas funções, devotamento absoluto ao meu Bispo”.

Em outubro do mesmo ano de 1852, o Subdiácono Giraud, já com o curso teológico terminado antes da idade requerida para a Ordenação Sacerdotal, vê-se enviado pelo Senhor Arcebispo, como prefeito de disciplina e professor no Seminário Menor de Aix, onde ele mesmo fizera os estudos clássicos. Anota então no seu caderno íntimo, entre outros pensamentos admiráveis: “Ó minha alma, pensaste bem na dignidade duma criança da qual o Senhor Deus quer fazer o seu sacerdote um dia? Com quanta dedicação, quanto amor, quanto zelo é preciso cercar essa criaturinha que Deus quer honrar tanto!”. De tal modo conquista a confiança dos alunos, que eles vêm pressurosos, pedir-lhe conselhos como a diretor de consciência.

Apesar dos seus 23 anos e de sua humildade, por obediência à vontade de seu Arcebispo, aos 17 de dezembro de 1853, sozinho, é ordenado Sacerdote.

Ainda paramentado, na sacristia, ajoelha-se e escreve: “Eis-me Padre, ó meu Deus, ó Trindade Santíssima, renovo o único desejo que haja em minha alma, o de ser, assim como os vossos Santos, tanto Vítima como Sacerdote… Por toda a vida, como Jesus, Vítima inteiramente imolada à glória de Deus e a salvação das almas, Vítima sempre abjeta aos meus próprios olhos. Deus só!”. Na verdade será esse o programa de toda a sua vida.

Após as festas da sua Primeira Missa em Éguilles, volta a ocupar as suas funções no Seminário Menor. O distinto professor ganha inteira admiração e afeição de seus alunos e colegas. Devotado às almas, ajuda os seus confrades no santo ministério das confissões e pregações dominicais.

A sua eloquência arrebata os auditórios; mas em sua alma surge, mais premente, a ideia da Vida Religiosa. Vários anos se debate nessa dúvida. Professor e Diretor no Seminário, a formar ministros de Deus, ou pregador a arrebatar as multidões, como fizera na igreja metropolitana de Aix, ou ainda religioso, a fim de “pôr em segurança a sua fraqueza pessoal atrás de uma regra austera de vida religiosa”, eis o problema a solucionar. A Ordem dos Padres Capuchinhos o atrai pela sua vida de humildade e pobreza.

Nessa altura da vida do Reverendo Padre Giraud, aparece a figura veneranda da Madre Santa Clara, abadessa das Clarissas de Lorgues, na mesma Diocese de Aix. A correspondência epistolar entre essas duas almas revela o alto grau de espiritualidade a que haviam ambas chegado.

Providencialmente, em 1857, ao falar alguém na célebre Aparição de La Salette, sente-se, de chofre, atraído, como que subjugado por essa Virgem lacrimosa; decide ir em peregrinação ao já famoso Santuário que se está erguendo na montanha santificada pela presença da Mãe de Deus. Em agosto do mesmo ano faz ali um retiro de sete dias e deixa escrito em seus apontamentos: “A Santíssima Virgem quer que me torne o Missionário de suas lágrimas e de suas dores. Nunca senti convicção tão íntima, tão benfazeja. Assim terminam as minhas incertezas, assim começa esse porvir de trabalhos, sofrimentos e provações de que tinha como que a intuição. É fora de qualquer influência que aceitei essa graça magnifica. Não posso absolutamente duvidar de que essa seja a minha vocação”.

Encontra, porém, o seu desígnio de grandíssimas dificuldades. Todos os seus colegas de sacerdócio e a própria autoridade eclesiástica de Aix se lhe opõem. Por ordem do Senhor Arcebispo deve esperar ainda três anos antes de poder executar o seu projeto.

A 11 de novembro de 1858, bate à porta da casa dos Missionários de Nossa Senhora da Salette, na cidade de Grenoble e, poucos dias depois, sobe à santa montanha da Aparição, para aí começar o noviciado com tanto fervor que causa admiração a seus poucos, mas fervorosos confrades.

A 2 de fevereiro de 1860 pronuncia seus votos religiosos, aos quais acrescenta o de se dedicar de corpo e alma ao serviço de Nossa Senhora da Salette e o de devotamento à Santa Sé.

Não tarda em sobrepujar os seus colegas, os quais avaliando-lhe os grandes méritos, escolhem-no como Superior Geral a 2 de fevereiro de 1865. Conservará este cargo até 1876. Demite-se então do espinhoso múnus, pois, além de novas dificuldades administrativas, a má saúde não lhe permite mais suportar os labores e cruzes do Superiorado.

Fora da atividade desenvolvida no interior da Congregação Religiosa, à qual ficou incumbido de dar regras e espírito próprios, foi sobretudo pregador de retiros sacerdotais, escritor de obras ascéticas e diretor de almas religiosas. A santificação do clero e das almas consagradas foi o escopo de toda a sua vida, para isso, associando o ideal da sua mocidade com o espírito saletino, espalhou o Espírito de Vítima em união com Maria Santíssima, a divina Reconciliadora dos Pecadores, que aparecera na Salette como Vítima amorosa do Coração de Jesus.

Admirável é o seu livro: “A Vida de União com Maria” – obra-prima de amor filial e ternura para com a Santíssima Virgem.

Dedicou seus últimos anos de vida a infundir o seu espirito à Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Salette de Lyon, fundada por ele mesmo em 1869 e à redação de livros para seus colegas no sacerdócio: “Sacerdote e Vítima” – cuja tradução para a nossa língua está sendo realizada, devendo ser brevemente publicada pela Editora Vozes, que já publicou a tradução do livro do mesmo autor saletino: “O Espírito de Sacrifício na Vida Religiosa”. Sacerdote e Vítima é livro de alta espiritualidade e escrínio de preciosas citações patrísticas, em acentos por vezes líricos e acalorados. Percorre todos os degraus do Sacramento da Ordem, pondo em relevo todo o valor da vida espiritual que deles podem haurir as almas privilegiadas que recebem o sagrado caráter sacerdotal.

O Reverendo Padre Silvano Maria Giraud faleceu inopinadamente aos 22 de agosto de 1885, em Tarascon, no sul da França, em viagem empreendida para pregar retiros espirituais aos Padres da União Apostólica.

O corpo do venerando religioso repousa no cemitério da Santa Montanha da Salette, em frente aos lugares da Aparição.

O Reverendo Padre Giraud foi uma alma de escol: espírito de oração e de fé, intenso amor de Deus, terníssima devoção à Sagrada Paixão e à Eucaristia, amor do próximo, especialmente dos pobres e das crianças, espírito de mortificação, de humildade e abnegação heroicas. Pelo voto de vítima se comprometera a nunca recusar um sacrifício manifestamente pedido por Deus. De conformidade com o seu propósito de Ordenação, foi, na verdade, durante toda a vida, tanto vítima quanto sacerdote do Coração de Jesus.

Estando já concluído o processo diocesano, nutrimos a esperança de que não tarde a Igreja em honrá-lo com o culto dos Santos.

 

Referência

REVISTA DA CRB, janeiro de 1956, p. 29-32.