ARTIGOS

Imaculada Conceição: Teologia e Liturgia
Padre Adilton Pinto Lopes¹

Ao longo da história do cristianismo, quando os cristãos, seja do Oriente, seja do Ocidente iam fazendo a sua experiência de Cristo, redentor do gênero humano, a ponto de possuírem suas vidas transformadas, iam também experimentando a presença fecunda e atuante da Virgem de Nazaré. O encontro pessoal com o Senhor Jesus faz com que, os cristãos, de maneira tangencial, se aproximem da pessoa da Theotokos, nEla se deu a Encarnação. Daí, o fundamento de toda Mariologia é a Cristologia. Já no quinto século, na época do Concílio de Calcedônia, se professava que Jesus de Nazaré é verdadeiramente homem, verdadeiramente Deus; Um da Trindade que se fez Carne; possuindo duas naturezas, humana e divina, uma só Pessoa, Pessoa Divina; consubstancial ao Pai segundo a divindade e consubstancial a nós segundo a humanidade, humanidade esta extraída pelo Verbo de Maria, inserida de um modo singular e único na história da Salvação.

No coração dos fiéis, graças ao dom do sensus fidelium, se percebia, desde os primórdios, que a Virgem de Nazaré era imbuída de uma santidade singular. E muitos começaram atribuir que, desde o primeiro instante da sua existência no útero de Ana, por pura graça, ocorreu uma total preservação do veneno do pecado original. Maria, pelos méritos de Cristo que na História foram conquistados com sua Paixão, Morte e Ressurreição. O Pai, que é eterno presente na unidade das outras duas Pessoas, o Verbo e o Espírito, aplicou a redenção de 

Jesus, no eterno presente de Deus e agiu na Virgem de Nazaré, pois no coração de Deus, aquele ser humano concebido no útero de Ana seria a Mãe do Redentor, do Cordeiro Imaculado. Deus Pai a fez morada digna do seu Filho, desde a sua concepção. Redimida de modo antecipado, Ela não foi justificada como todos os seres humanos que são concebidos e nascem mergulhados na lama do pecado. A Virgem foi preservada da poluição do pecado original desde o primeiro instante da sua concepção, em seu corpo e em sua alma. Pensar na Virgem Maria é pensar na santidade original, que Deus quis para Adão e Eva. Desde a sua concepção, Maria foi repleta da graça divina, como assinala o Arcanjo em sua saudação: “Alegra-te cheia de graça”. Gabriel não está afirmando que Ela se tornara cheia de graça ali, naquele momento da Anunciação, mas reconhece que o ser Dela é repleto de beleza, santidade total e não envenenado pelo pecado na plenitude de sua existência. Ela é Panaghia, Toda Santa. Ela é sem pecado e pura graça desde o primeiro instante se sua concepção.

A grande novidade para a Teologia surge com o teólogo escocês franciscano, Frei Beato Duns Scotus:

“Cristo exerceu o grau mais perfeito possível de mediação relativamente a uma pessoa para a qual ele era o mediador. Ora, pessoal alguma ele exerceu um grau mais excelente do que para Maria… Isto porém não teria acontecido se ele não houvesse merecido preservá-la do pecado original.” (DE FIORES; MEO, 1995, p. 603).

Esta doutrina da preservação de Maria pelos méritos de Cristo, redimindo-a por antecipação, devido aos seus méritos futuros na Cruz, preparando a Virgem de Nazaré para se tornar Mãe digna do Filho de Deus, foi um grande avanço no entendimento do dogma da Imaculada Conceição.

A teologia da Imaculada Conceição representou a mais autorizada e célebre exceção entre os teólogos do século XIII. Maria, desde o primeiro instante de sua concepção, recebeu uma plenitude total de graça por meio de uma redenção perfeita, que convém ao perfeitíssimo Redentor, isto é, Àquele que, no conceder a graça, está em grau de impedir que o pecado entre no ser humano e, por fim, o toque, o fira e o manche. Próprio da perfeição do Redentor, da sua infinita capacidade salvífica, implicava a sua capacidade de preservar do pecado, também o original, àquela que seria feita sua Mãe e a mais amada entre as criaturas. Maria deveria ser redimida de modo mais perfeito e isto não podia consistir na purificação do pecado original, mas na preservação deste. “Não podemos chamar Cristo perfeitíssimo Redentor, nem Maria perfeitíssima redimida, se não afirmássemos a preservação do pecado original”. Afirma Stefano de Fiores:

Foi isso que Duns Scotus compreendeu e expressou no argumento do perfeito mediador, que mostra o poder salvífico de Cristo, que previne e impede o pecado em vez de cancelá-lo depois de acontecido. Maria é a maior perdoada: recebeu uma remissão tão plena que a resguardou de toda culpa. A Imaculada é o maior perdão de Deus”. (DE FIORES; MEO, 1995, p. 612)

Beato Pio IX, depois de acolher todo desenvolvimento teológico e tendo escutado os Bispos do mundo, declarou solenemente em 8 de dezembro de 1854, com a Bula Ineffabilis Deus:

Declaramos, pronunciamos e definimos: a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus Onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isso deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis. (PIO IX, 2016, n. 41)

Desde os primeiros séculos, a festa litúrgica sobre a santidade de Maria e o seu ser imaculado já era celebrada dia 8 de dezembro. Papa Sisto IV (+1484), na Bulas Cum Praexcelsa. adotou para Roma a festa da Conceição. Clemente XI estendeu a festa da Imaculada à Igreja Universal.

Todos os anos dia, no dia 8 de dezembro, no início do ano litúrgico, em pleno advento, celebra-se a Solenidade da Imaculada Conceição. Na Santa Missa são lidas, três trechos bíblicos e o Salmo 97 que fundamentam a doutrina da Imaculada Conceição: Gênesis 3, 9-15.20: aí se lê o drama do pecado original, mas também o Proto-Evangelho, com a promessa de que, da descendência da mulher virá aquele vencerá o demônio, o que se realizou na Cruz; Efésios 1, 3-6, 11-12: o sonho de Deus é que toda humanidade seja imaculada, santa e irrepreensível aos seus olhos. No momento de graça, reinaugurado com a Cruz e ressurreição, surge uma nova humanidade, onde não há mais espaço para o pecado; O Evangelho de Lucas 1,26-38 traz a expressão “cheia de graça”, que é o fundamento do dogma da Imaculada Conceição. Falar de Maria é falar da ação da graça divina que age nEla, mesmo sem ter consciência, que desde o início de sua existência, neste mundo, fora totalmente redimida e, por isso, plenamente santa, a cheia de graça é Imaculada. NEla se reflete de modo potente o amor misericordioso de Deus e, graças ao seu Sim ao Pai, o Verbo se fez Carne e habitou entre nós. O mistério da Encarnação atinge seu ápice na cruz e ressurreição. Na vinda última de Cristo, toda Igreja, toda humanidade, todos os salvos, plenamente redimidos por Cristo, se tornarão àquilo que a Nova Eva foi nesta terra: Imaculados. Sim! Este é o destino de todos os seres humanos, cristãos ou não, todos os homens e mulheres de boa vontade: adorarmos por toda eternidade à Santa Trindade, sem nenhuma mácula, alvejados pelo Sangue do Cordeiro Imaculado, brilhando em graça, como já brilha para nós na eternidade, como uma estrela fulgente de santidade, a Virgem Maria, sinal de consolação e esperança para todos. Abaixo de Deus Uno e Trino, amemos a Imaculada Conceição.

Referências:

DE FIORES, Stefano; MEO, Salvatore. Dicionário de Mariologia. São Paulo: Paulus, 1995.

PIO IX. Theotokos 6: Ineffabilis Deus. Brasília: Edições CNBB, 2016.dezembro

1Padre Adilton Pinto Lopes, Pároco e Reitor da Basílica de Nossa Senhora da Conceição da Praia, Padroeira da Bahia. Doutor em Teologia Dogmática, Mariólogo e Biólogo.